Nas tardes de terça, faço a
mediação da oficina Poesia é da hora lá na Tenda de Convivência Alcântara
Machado em São Paulo, capital. Coloco na mochila livros, papel, caneta, algumas
ideias de pauta e petiscos. Vou-me... não para Pasárgada como foi Manuel
Bandeira, mas para debaixo do viaduto que tem também tem nome de escritor:
Alcântara Machado, que nasceu em São José do Mauá. Pra quem nunca passou por ali, vou
descrever brevemente: É uma paralela da Av. Alcântara Machado com a Rua
Piratininga. Referência: Brás. Ao entorno, tem diversos moradores em situação de
rua, famílias, cachorros e crianças que utilizam a tenda para tomar banho,
lavar suas roupas, enfim socializar. Bom, é ali que vou todas as terças e a
cada segundo sábado do mês para executar o projeto Poesia é da hora, com saraus
e oficinas literárias. O público é o público do entono. Que mora em seus pequenos
barracos e que estão em situação de rua.
Durante a oficina,
praticamos leitura e interpretação de texto. Faço leitura de parábolas. Faço a
mediação entre uma criação poética e outra, sugiro temas, discutimos assuntos,
fazemos jogos para descontrair, há brindes, bate papo e sorteios. Passa rapidão
essas duas horas de oficina! Lemos poemas de autores diversos, especialmente os
das quebradas e os contemporâneos como: Paulo D’Áuria, Almerio Barbosa, Erton
Morais, Ana Paula, Marah Mends, Caranguejunior, André Diaz, Rubem Braga entre
outros. No sorteio de brindes entra os cds do Alex Man, Mahlungo, Mokó de
Sukata, Pensamento Negro, Vulgo Elemento e falo sobre o trabalho de uma guerreira
que admiro muito, por sua luta e sua arte: Regina Tieko. Após juntarmos uma
quantidade de textos, produzimos nosso livreto artesanal.
Nesta terça-feira, o aluno
Wiliam disse assim:
- Olha, eu quase não sei
escrever, mas gosto de participar da sua oficina.
Wiliam sempre participa dos nossos
saraus (com música, ele toca instrumento) e também da roda de samba que
acontece todas as sextas com o professor Henrique.
Pensei... e agora, Marah?
Sempre levo livros de arte
na bolsa por conter muitas pinturas das quais dá para trabalhar a poesia em
cada uma delas. De vez em quando uma criança e outra participa da oficina,
então, falar de poesia com as figuras, creio que fica mais pessoal para elas. Foi
dito e feito. Saquei o livro “Grandes mestres”, pinturas de Gauguin da Abril Coleções e disse para o
Wiliam:
- Se você tem dificuldade
com as palavras, aposto pode se dar bem com as pinturas.
Ele sorriu. Senti que ficou
interessado. A missão era simples: Wiliam foi desafiado a folhear esta obra com
157 páginas e me dizer as sensações ao olhar para cada imagem contida no livro.
Sem pressa, sem medo, sem rótulos. Simplesmente dizer com uma ou mais palavras
o que aquela determinada imagem causava em seu interior. Foi então que ele
começou:
“Quando eu olho para isso
aí, me dá medo! ”
“Essa outra... parece uma batalha”.
“Essa... a procura da felicidade”. “Uma pessoa inteligente”, “família unida”, “sofrimento”,
“fome”; “arrependimento”, “curtindo a brisa”. “Tristeza”, “nascimento de uma
criança”. “Política, nesta foto estão discutindo política, acho! ”. “Refúgio”, “orgia”,
“luta pelo poder”, “adultério”, “naufrágio”, “partilha”, “perdão”, “luxo”,
declaração de amor”, “Sodoma e Gomorra” (e riu quando disse isso). Perguntei:
- Já assistiu ao filme?
E ele:
- Não, eu li na bíblia.
Continuou coma tarefa das
imagens:
“Exibicionismo”, “covardia”,
“chacina”, “cansado de pensar”, “massacre”, etc.
Cada imagem da obra de
Gauguin causou em Wiliam, uma sensação diferente. Disse a ele que essa era uma
forma de Gauguin fazer poesia: Com pintura. Disse que tem muita gente que acha
que poesia é coisa de fresco, só fala de amor, mas o poema em si pode ser uma
crítica social. Uma denúncia entre tantas outras vertentes.
No final da oficina Wiliam
me deu um abraço e disse que não sabia que ele tinha um vocabulário tão
extenso, pois pouco falava, pouco conversava. Wiliam disse que lembrou da
última aula, quando falamos da importância de buscar novas palavras no
dicionário e que tinha gostado da parábola do sapo. Você conhece a parábola do
sapo?
É... definitivamente, a
poesia pode ser uma arte inclusiva! E para todos! Saí de lá com uma sensação
boa... Mas, ainda há muito o que fazer. Pois é... há muito o que fazer. Me
ajuda?
O projeto Poesia é da hora
tem o apoio do Proac.
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