O velho deitado no sofá.
Ele apreciava a boemia, os botecos, as brejas, as cachaças, as conversas e risadas, as fumaças e os chamegos, mesmo com um anel no dedo. Não perdia uma história contada no bar, ininterruptamente estava lá, jogando dominó e bilhar, às vezes ficava mais lá do que no “ambiente familiar”. O bar era como uma válvula de escape, uma dependência física e emocional, como uma sede que não matava se estivesse em casa. Emputecia quando a família captava complexidades em coisas simples, como chapar em paz e tentar ser livre nesse mundo de merda, liberdade essa que nunca teve e nunca terá. Os anos passaram, os joelhos doeram, os dentes caíram, os cabelos esbranquiçaram, a pele ficou flácida e a disposição soltou a sua mão. Com a saúde capenga deitou em várias macas que o serviço público ofereceu, passou perrengues, chorou, não quis mais chamego com a boemia, entrou numa fase esquisita de querer ser caseiro, botou ponto final nas polissemias. Mas, depois dos setenta a vida ficou muito chata, rotina de ser velho capenga virou uma grande bosta e as vozes ao redor o deixaram mais rabugento do que já era. Agora quase não fala, evita conversas, quase não ri, quase nada de tudo... virou de tudo um nada. Certa vez o velho deitado no sofá, me olhou com aquele olhar de quem não tem muito tempo e disse algo que me intrigou:
- Dos filhos que tive, você é a que mais parece comigo!
Não sei se foi praga ou se foi benção. Não sei se me ofendo, se me alegro, se me corrijo, se sigo ou se me contento. A vida é cheia de verdades perfurocortantes que às vezes a gente resiste em ter por perto, mas elas sempre dão um jeitinho de bater na nossa porta.
Afinal, o que é ser feliz?
Marah Mends
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