Transmissão de repertórios
O
termômetro marca seis graus. É um frio de arrepiar a carcaça parça, pobre de quem
dorme na calçada, ainda é madrugada. Duas ou três horas da matina, talvez. A
geada chegou e a neblina descarregou gotas no vidro liso. Gotas apostam corrida
entre elas até a base da janela. É bonito vê-las escorregarem às vezes retas às
vezes pela paralela. As gotas não petrificaram com o frio que faz lá fora.
Na
zona de conforto da janela pra cá é a zona de confronto quem observa o tempo, o
pobre, a geada, a neblina, as gotas e a corrida. A bendita fumaça fria que da
sua boca sai aflita, flutua sob a superfície plana do papel com um texto inacabado,
riscado, largado, borrado de vinho tinto. A porta invertida está ali em formato
horizontal indefinido. Alguém sabe como é formada as sombras nos objetos? Há
correlação na horizontalidade e nas sombras?
Podia
ser só insônia, mas era mais uma mente irrequieta, ligadaça na madruga,
subdividida entre refletir para além do ambiente de conforto ou observar o
corpo ao lado, saciado a dormir de boca aberta.
Ademais,
através de um incentivo indireto involuntário, descentralizou a
operacionalidade da reflexão quando o corpo ao lado, agora de boca fechada,
entrelaçou-se ao seu. O vidro embaçou nessa transmissão de repertórios.
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