Dona Vilma das Costas Curtas

Dona Vilma das Costas Curtas está aposentada por tempo de serviço. Durante o dia, dona Vilma das Costas Curtas cuida de si, da casa, das cachorras, das gatas, da horta e das plantas penduradas nas paredes tortas da cozinha. Na night, dona Vilma das Costas Curtas gosta de ir pro boteco da Tia Filó pra jogar conversa dentro, jogar conversa fora, trucar, cachimbar, sarrar, dançar, ouvir música brega, fazer desenhos no ar com fumaça da boca e tomar uma breja bem gelada na companhia das outras velhas. Riem de tudo feito crianças deslumbradas com o mundo, mas de crianças, só tinham os rastros das gengivas carecas. Na noite passada, dona Vilma das Costas Curtas amanheceu na cadeira do boteco e ninguém a despertou. Disseram que ela entrou num transe profundo, com roncos de outro mundo, e para não incomodar dona Vilma das Costas Curtas, deixaram-na dormir na cadeira do boteco e cada um foi pra sua casa. Dona Vilma das Costas Curtas não gosta de tecnologia, nem de frio, nem de políticos, nem de sapato que aperta, nem de saias ou saltos e nem de gente que não olha nos olhos quando se comunica e se trumbica. Numa noite dessas, apareceu no boteco da Tia Filó, um pseudo filósofo dos predim arrumadim lá da rua de cima. Estranho! O pessoal da rua de cima nunca cola no boteco da Tia Filó. Mas ele colou. E veio com um discurso de unilateralidade sagaz, todo assaltado pela emoção e com pinta de dono da porra toda. Não encarou dona Vilma das Costas Curtas quando perguntou se ela conseguia ser feliz vivendo na rua de baixo. Enfatizou com desprezo quando disse “na rua de baixo”. Com a bagagem simplória de nega velha da quebrada, Dona Vilma das Costas Curtas olhou bem nos olhos dele e com voz suave disse:

- Filho, você não entende que cada pessoa é um mundo!